O Flash negro de Provincetown

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Zona 33
Não, aqui não irei falar sobre o Flash Negro, o ceifeiro velocista da DC Comics, mas sim de um homônimo, que surgiu 59 anos antes, só que na vida real.

Uma característica comum no mundo do estranho e do sobrenatural é o ser fantasmagórico. Ao longo da história tem havido diversas histórias, contos e relatos de misteriosas figuras sombrias, chamadas de atacantes-fantasma que parecem espreitar a periferia de nossa realidade, apenas se dando a conhecer quando pretendem incutir terror dentro de nossos corações. Essas pessoas das sombras e figuras fantasmagóricas parecem ter se enraizado em nossa consciência coletiva, e são relatados tanto em realidade quanto em mito entre as culturas. Às vezes ameaçadores, às vezes meramente assustadores, estes são seres não identificados que são difíceis de classificar e que parecem ter saído diretamente de nossos pesadelos. Um desses casos perturbadores é uma figura negra intimidante, trajando um capuz que surgia de algum lugar escuro para aterrorizar uma cidade pequena em Massachusetts - EUA, e que tem permanecido um mistério até o presente dia.


Tudo começou em outubro de 1939, na cidade de Provincetown, em Cape Cod, Massachusetts - EUA, onde crianças assustadas começaram a voltar para casa à noite com uma história assustadora para contar. Elas afirmavam ter visto uma figura extremamente alta, vestida toda de preto, que aparecia do nada, rosnando ameaçadoramente e, em seguida, desaparecia do nada em um flash. Alguns destes relatos alegava que a coisa possuía um rosto deformado, hediondo e olhos brilhantes. Fosse o que fosse que estavam vendo, a tenebrosa figura certamente os aterrorizou. No entanto, por mais chateadas e abaladas que essas crianças estivessem, os adultos não levaram muito a sério suas histórias. Afinal, era época de Halloween, e tudo parecia apenas imaginação ou alguém fazendo uma brincadeira com um traje de Halloween.

Imagem:Provincetown

Então, certa noite, uma mulher chamada Mary Costa seguia andando sozinha pelas ruas sombrias, passando pelo pátio da prefeitura quando ela alegou que uma figura impossivelmente alta, com cerca de 2,5 metros de altura, havia saltado para fora de alguns arbustos e ficou parado ameaçadoramente à sua frente. A coisa foi descrita como tendo longas orelhas pontudas e olhos brilhantes, que se usou para olhar friamente para a mulher assustada por um momento antes de fugir rapidamente da cena em uma série de saltos incríveis e sobrehumanos, muito além do que uma pessoa seria capaz de fazer. Mary afirmou que ela correu para um café nas proximidades e contou às pessoas sobre o que ela tinha acabado de ver, e que alguns homens saíram à procura do intruso misterioso, mas não encontraram nada.

Apesar de a polícia não ter levado este relatório muito a sério no início, ele logo foi seguido por relatos semelhantes por parte de outros cidadãos adultos. Em todos os casos, a aparição sombria era descrita estar vestida toda de preto, com uma capa preta, e possuía olhos que eram vermelhos ou prata, bem como longas orelhas pontudas, por vezes relatadas como sendo de uma cor prata. Também foi relatado que um zumbido estranho como o de um grande inseto o acompanhava, e outros disseram que ele deixou escapar uma risada malévola, a qual possuía um timbre sobrenatural. Ele também era conhecido por ser extremamente rápido e ágil, bem como pela sua suposta capacidade de salto sobrehumana, com testemunhas afirmando que ele poderia facilmente saltar por cima de cercas altas e poderia saltar mais de 3 metros em um único salto. Curiosamente, a polícia muitas vezes obteve diversos relatórios de diferentes áreas da cidade praticamente ao mesmo tempo, sugerindo que a coisa era ou incrivelmente rápida, poderia de alguma forma se teletransportar, voar, ou que haviam mais de um deles.


Embora a maioria desses encontros envolvessem a misteriosa figura simplesmente aterrorizando suas vítimas à distância, algo que parecia ter grande prazer em fazer, outros relatos eram decididamente mais angustiantes. Em um caso, um homem chamado Charles Farley afirmou que ele tinha realmente atirado na criatura para abatê-la, mas que ela pareceu nem se incomodar com o tiro, simplesmente rindo histericamente antes de desaparecer do outro lado do muro com um único salto. Outro homem relatou que tinha sido subitamente confrontado e encurralado pela entidade e instintivamente acertou um soco nela. O homem afirmou que a criatura pegou seu punho com uma de suas mãos, e em seguida, começou a esmagar a mão do homem, quebrando-a, antes de jogá-lo no chão sem esforço, como se fosse um brinquedo indesejado. No entanto, mais um encontro violento aconteceu quando outra testemunha afirmou que a criatura o golpeou com uma força sobrehumana, fazendo-o voar pelo ar, e houveram outros homens adultos que também relataram terem sido facilmente subjugados pela aparição. Outros relatos foram ainda mais longe e afirmaram que a criatura podia soltar fogo azul de sua boca.

Em pouco tempo, a cidade e a região nos arredores estavam fervilhando com conversas sobre o que as pessoas estavam começando a chamar de "O Fantasma de Provincetown", o "Fantasma Negro", o "Diabo da Duna", e o "Flash Negro", que era o nome que os meios de comunicação iriam utilizar e se tornaria o nome mais popular da bizarra criatura. Na verdade, havia uma variedade de relatórios sensacionalistas sobre o Flash Negro naquela época em jornais e noticiários de rádio, que, juntamente com o aumento do número de avistamentos, colocou a população em estado de pânico. A especulação corria desenfreada sobre o que poderia ser, com alguns dizendo que era apenas alguém fazendo uma pegadinha, e outros dizendo que era algum tipo de entidade sobrenatural, como um fantasma ou demônio com planos malévolos. Algumas pessoas —particularmente os religiosos— pensavam se tratar do próprio diabo em pessoa.

Tornando as coisas ainda piores foram os outros eventos bizarros e inquietantes que cercaram o Flash Negro. Estes não muito depois do momento em que a transmissão de rádio de Guerra dos Mundos de Orson Welles pela CBS em 1938 foi ao ar, no domingo, 30 de outubro, e colocou diversas áreas do país em pânico. Além disso, outra coisa que causou estresse e desconforto foi o início da Segunda Guerra Mundial e sua sombra ameaçadora de violência inexoravelmente puxando o país, bem como os efeitos devastadores da Grande Depressão. Haviam vários outros acontecimentos estranhos no momento, na área imediata, bem como notícias de um "monstro marinho", que havia aparecido na costa perto de Wood End e viria a ser identificado como um tubarão-frade em decomposição, além da notícia de um incendiário em série que havia aterrorizado a cidade em setembro, antes do aparecimento do enigmático Flash Negro. Todos estes eventos convergentes, sem dúvida, fizeram a história do Flash Negro tomar grandes proporções e se tornar algo sensacionalista, com os seus vários elementos embelezados e exagerados nas reportagens notoriamente superdramatizadas e programas de rádio da época, onde assumiu vida própria nas mentes de uma população cuja imaginação fora condicionada e seus nervos desgastados.

A história tipicamente conta que o Flash Negro supostamente continuou a atormentar a população de Provincetown por 7 anos, com relatos por todo esse período até 1945. Em um desses incidentes, em Novembro de 1945, um grupo de policiais, aparentemente, viu a figura saltar sobre uma cerca de 3 metros de altura depois de terem ido à uma escola para investigar uma série de avistamentos no local. No mês seguinte, um grupo de crianças alegou que haviam sido atacadas pelo Flash Negro e correram para sua casa em busca de refúgio, chegando lá, ele teria permanecido batendo nas paredes e nas portas. Um homem chamado Louis Janard supostamente jogou uma panela com água fervente na criatura, que saiu gritando noite afora, o que marcou o último incidente com o Flash Negro.

Estes incidentes até 1945 são descritos pelo pesquisador Joe Citro em seu livro Passing Strange, onde ele afirma que eles foram recontados a ele pelo folclorista Robert Cahill, que escreveu sobre o Flash Negro em um livro chamado New England's Mad and Mysterious Men, em que ele diz que a entidade aterrorizou Provincetown durante anos. Estes detalhes fornecidos por Joe e Robert têm sido amplamente referenciados pelas histórias sobre o Flash Negro, mas tem havido alguma discordância na linha do tempo. De acordo com um dos principais pesquisadores do fenômeno do Flash Negro, o investigador paranormal Theo Paijmans, esse cronograma é falso e ele afirma que estes detalhes foram adicionados mais tarde, que o trabalho de Robert Calhill foi substancialmente embelezado, e que o Flash Negro realmente só agiu por algumas semanas antes de desaparecer. Ele escreveu um artigo em 2007 para a revista de anomalias Itermediate States e falou sobre suas descobertas:
Eu encontrei os relatos originais nos registros de Provincetown e com a ajuda desses relatos eu fui capaz de reconstruir uma cronologia clara e jogar fora um monte de coisas que haviam sido acrescidas sobre o Flash Negro ao longo dos anos, mas que foram claramente, informação fabricada. Uma dessas imprecisões era a linha do tempo; o fenômeno Flash Negro não ocorreu entre 1938 e 1945, como muitas vezes é alegado, mas apenas por algumas semanas em 1939.
Seja qual for o cronogrma correto, a questão ainda permanece: O que era o Flash Negro? Muitas teorias têm sido propostas sobre essa resposta. Não passou despercebido que o Flash Negro era em muitos aspectos semelhante a um outro atacante-fantasma misterioso que supostamente havia aterrorizado partes da Inglaterra em 1837, uma entidade conhecida como Spring-Heeled Jack(Jack calcanhar de molas). Existem várias semelhanças entre as duas entidades, tais como olhos brilhantes, um manto negro, e a capacidade surpreendente de realizar enormes saltos. Isto tem levado alguns a sugerirem que o Flash Negro e Spring-Heeled Jack eram o mesmo, ou que eles seriam o mesmo tipo de entidade, mas também poderia significar que alguns dos detalhes dos relatórios foram embelezadas ou adicionados para fazer parecer dessa maneira. Na verdade, o sensacionalismo implacável da época e os enfeites, adições e exageros feitos ao longo dos anos, assim como o folclore substancial que foi acumulado em torno da história, tornam difícil separar os fatos da ficção quando se trata do caso do Flash Negro. Mesmo os investigadores sobre o fenômeno parecem não concordar entre si sobre o que realmente aconteceu e quanto tempo durou.



Outras teorias sugerem que tudo não passou de uma forma de histeria em massa ou ilusão coletiva, com o hype da mídia e histórias assustadoras rolando soltas, ou mesmo que era algum tipo de demônio, fantasma, ou vampiro. Mais uma vez, com todos os enfeites e liberdades tomadas com o conto nas notícias da época e através da rica tradição oral, torna-se difícil saber quais partes ou detalhes da história são mesmo reais, por isso é difícil dizer quanto mérito qualquer uma dessas linhas de pensamento possui. Não existe simplesmente nenhuma evidência concreta que favoreça qualquer uma destas teorias.

Por seu lado, as autoridades da época estavam certas de que tudo não passou de resultado de uma brincadeira maliciosa, e, embora a notícia do Flash Negro estivesse em toda parte e muitos acreditem que tenha sido uma aparição verdadeira, parece que, na verdade, um monte de gente em Provincetown concorda que tudo não passou de uma grande peça pregada por alguém. O chefe de Polícia Anthony Tarvers mesmo alegou saber quem foram os autores e como eles fizeram isso. De acordo com Anthony, foram quatro rapazes locais que estavam fazendo uma pegadinha de Dia das Bruxas para assustar à todos, e que haviam conseguido isso com um menino de pé sobre os ombros de outro e, em seguida, se cobrindo com uma grande capa preta e usando uma máscara. Dois grupos de garotos teriam feito isso para parecer que a "criatura" se teleportava ou simplesmente corresse com velocidade sobrenatural pela cidade.
Anthony também afirmou que ele havia ido mais longe a ponto de falar com os alegados culpados e seus pais, e que foi por isso que todo o fenômeno havia cessado. No entanto, ele nunca divulgou os nomes dos autores, e nunca ninguém assumiu a responsabilidade pela suposta fraude. A declaração de Anthony também não foi, aparentemente, nem mesmo um pronunciamento oficial da polícia. A capacidade de salto do Flash Negro, a agilidade, força, resistência e outras supostas habilidades não são realmente abordadas nesta teoria também. Isso levou alguns a suspeitarem que Anthony Tarvers estava apenas inventando essa história para acalmar a população, ou para encobrir o que realmente estava acontecendo. No final, nós não temos nenhuma maneira de saber a verdade.

Até hoje não está claro o que o Flash Negro era. Nem sequer sabemos quais elementos da história são verdadeiros e quais são completa ficção, ou mesmo quanto tempo o fenômeno realmente durou. A história foi escrita em numerosos artigos e livros, que muitas vezes dão informações diferentes ou até mesmo conflitantes, contraditórias. Com todos os relatos e a mistura louca de informações sobre o Flash Negro de Provincetown, podemos apenas dizer com certeza é que alguma coisa estava aterrorizando a cidade, ao menos no ano de 1939. O que era, se foi uma brincadeira, ilusão em massa, um fantasma, demônio, alienígena, vampiro ou algo completamente diferente, ninguém realmente sabe. Provavelmente nunca saberemos o que realmente aconteceu e o mistério do Flash Negro deverá permanecer nas sombras, dentro do reino da especulação e até mesmo acabará se tornando uma lenda, assim como Jack calcanhar de molas.



Imagem de capa  (DMarsela)